
A Igreja celebra, neste final de semana, o grande mistério da Santíssima Trindade, Deus que, sendo Uno, e se revela também Trino. Isso mesmo: somos monoteístas, cremos um Deus Uno, assim como nossos irmãos mais velhos na fé – os judeus. Deus iniciou sua revelação a Abraão, demonstrando-se próximo e conhecedor das necessidades humanas, como nos lembra o trecho do Deuteronômio (4,32-40). E isso já foi uma reviravolta para a fé, que até então era entendida mais como esforço humano para chegar a Deus. – E, diga-se de passagem, há ente nós e nossas comunidades quem ainda esteja nessa: pensa poder alcançar Deus com suas forças e méritos. Papa Francisco denunciou isso como um neopelagianismo, há pouco tempo (Gaudete et Exultate).
Como causa de maior reviravolta ainda temos a revelação de Deus em três Pessoas: não são três deuses, nem três modos de manifestação de Deus, mas uma comunidade de amor de Três Pessoas Divinas. Se Deus Uno é amor, e o povo judeu vinha compreendendo isso com os textos do Antigo Testamento, Jesus completa a revelação demonstrando que “em Deus não está a solidão do Um, mas a comunhão dos Três”: puro amor. Na criação, o Pai cria na comunhão com as outras duas Pessoas Divinas; na redenção, Jesus salva na comunhão; em Pentecostes, o Espírito unge na comunhão. No meio dessa comunhão há espaço para a humanidade: Jesus, retornando ao seio da Trindade após a sua missão na terra, leva para lá a humanidade, que está agora imersa em Deus.
Algumas vezes nos deparamos com a apresentação deste mistério de Amor de forma difusa, mistério envolto não em névoas da montanha do Senhor, mas em fumaça de indisposição para se colocar em contemplação. Mistério não é limite de conhecimento, mas ilimitação dele, é o mergulhar em uma realidade que nos encharca de tanto amor e por isso nos impulsiona a perscrutá-lo e não esgotá-lo. Mistério é o que sentimos quando nos recolhemos em nosso íntimo, fazendo presença a nós mesmos, tornando essa experiência algo infinito e ao mesmo tempo natural. A Trindade é mistério de amor-relação e nela a humanidade encontra espaço para se alojar e difundir essa comunhão.
Quando percebemos a narrativa do Deuteronômio, vemos um Deus próximo a Moisés. É Deus que se faz presente na história de lutas e conquistas de um povo não de forma longínqua, mas perto, de modo familiar, caminhando lado a lado, fazendo da história o local de sua Revelação, incorporando a carne e o sangue do esforço humano. Paulo, na carta aos Romanos, mostra que essa relação de amor faz com que o Pai e o Filho façam do Espírito dom de si que conduz o homem a reconhecer a presença de Jesus Salvador e a caminhar na força do Paráclito. Promessa essa que é cumprida no batismo, quando somos incorporados na Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo.
Nesse dia em que a Igreja nos convida à contemplação, somos provocados a nos questionar sobre nossa maneira de viver a fé, sobre como valorizamos nossa vivência comunitária e ação pastoral, não as reduzindo a mero ativismo, mas mantendo a oração e a contemplação como fonte e ápice. Procuremos discernir os traços da Trindade na história humana, sua presença refletida nas comunidades a que pertencemos e os traços de amor desse mistério no rosto de cada irmã e irmão.
Sandro Araújo – IV Ano da etapa Configurativa (Teologia)
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